“MEUS QUERIDOS AMIGOS”
A
minissérie “Queridos Amigos”, tocou meu coração de forma muito especial e me
fez relembrar dos meus queridos amigos que há muito seguiram seus caminhos.
Graças a Deus,
nenhum foi torturado pela ditadura, ao menos que eu tenha conhecimento, porém,
a lealdade, o carinho, a vivência deles como “família” que eram, isso eu vivi
com os meus queridos.
Essa
amizade que nos uniu na década de setenta principalmente, foi tão forte que até
hoje quando nos encontramos por aí, é como se a gente tivesse se visto ontem
mesmo e conversado por horas. A sintonia que fica dos grandes amigos, nem a
distância, nem o tempo conseguem apagar.
Com
alguns deles o elo é a música, sempre a música, esse vírus que me tomou há
muito tempo, com outros, a fotografia, e com outros ainda, o elo era o teatro
(fui da primeira turma do Cena IV). São todos muito queridos e me lembro com
saudades das nossas aventuras, principalmente de algumas que vivenciamos na
“Fazenda Cachoeira”.
Na
época, lá pelos anos de 1974, 75, frequentávamos uma comunidade de jovens da
igreja católica que se chamava TOCA. Algumas vezes fazíamos retiros espirituais
lá na Fazenda, que já era da Diocese. Sempre acompanhados de adultos, íamos
felizes, principalmente nas férias, para esses encontros.
Lembro-me com
saudade da “mãe”Yolanda, que na verdade era mãe da Tida, da Rosana e da
Gláucia, que faziam parte da comunidade. Dona Yolanda nos adotou a todos e,
quando não estávamos por aí fazendo algum trabalho, como os que realizávamos
com as crianças do Lar Santo Antônio aos domingos, ou cantando em serenatas e
festivais, era na casa dela que nos encontrávamos.
Várias
tardes de domingo passamos na área daquela casa da Rua Gabriel Ferreira. Lá
cantávamos, conversávamos e riamos muito, o riso era fácil naquele tempo.
Chegavam o
Pistelli, o Amâncio, o Carioca, o Netão, o Paulinho Braga, o Mussum, o
Walthinho, o Alvim, o Wagner, o Zezito, o Zézinho Só, o Tonhão, o Norton, o
Luis Gonzaga, o Luis Carioca, o Jairinho, o Testa, o Marquinho Bernardi, o Marcão,
o Clóvis, o João Alvise, e o Padre Zé Benê, que era nosso orientador espiritual
e que às vezes dava o ar da graça por lá. Das meninas, além das donas da casa,
íamos eu, a Fafá e a Isa Noronha, a Ana Cassiolato, a Rose de Pinhal, a Suia
Legaspe, a Eneida, a Aida Cassiano, a Rita e a Lourdes Juvêncio, a Penélope, a Clícia,
a Sandra Vasques, a Edéia, a irmã Marina, que junto com a dona Yolanda faziam
tudo por nós e com certeza mais alguns amigos que minha memória meio
esfumaçada, provavelmente esqueceu-se de me lembrar nesse momento. (Peço perdão
desde já por algum imperdoável esquecimento).
Sempre tinha música,
muita música, inéditas ou não. Era maravilhoso ver como brotavam canções e
poesias daquelas cabeças todas.
Encontrei
tempos depois, no Theatro Municipal, uma das grandes figuras desse nosso tempo:
o Netão, ou o Paschoal, como quiserem. Ele sempre foi muito criativo e
engraçado, mas também super consciente e centrado. A história de hoje tem a ver
diretamente com ele numa das nossas idas à Fazenda Cachoeira.
Num
desses retiros que fizemos, numa bela tarde, chega o Walthinho Castelli, muito
branco dizendo que o Netão havia sido picado por uma cobra venenosa e que não
estava bem.
Logo
chegaram à casa grande o Neto, muito pálido carregado pelo Pistelli e por mais
alguém que no momento não consigo lembrar.
A
primeira reação de uma das meninas foi telefonar para a cidade para que viessem
buscar nosso amigo, já que o administrador havia saído com o carro da fazenda e
não havia nenhum outro meio de transporte por lá. O telefone estava mudo e não
havia ainda o tal celular.
Deitamos
o Neto num dos sofás da sala. Aí veio a Fafá e perguntava:
- Netão, você quer
um travesseiro? Ele com aquela cara mais que pálida respondeu:
- Por favor, Fafá!
Depois veio outra e perguntou:
- Netão, você quer
um cafezinho, uma água? Ele com o jeito de quem ia desmaiar a qualquer instante
responde:
- Por favor, quero
sim!
Na época eu já fazia enfermagem e a orientação
era para deitar o paciente picado pela cobra, fazer um garrote do membro atingido
e não dar nada para beber. Interferi dizendo que não podia dar nada para ele,
que tínhamos que levá-lo ao hospital o mais rápido possível.
Na
outra sala, a Suia chorava muito e a Sandra Vasques, de tanto chorar perdeu a
lente de contato e gritava para ninguém pisar ali onde ela estava porque a
lente dela havia caído. A Tida se esborrachou numa cadeira e não falava e nem
fazia nada, era como se estivesse em choque.
O
Neto tinha a marca da “picada” no tornozelo e nada do que a gente pensava em
fazer dava certo e o tempo, tão precioso nesses casos, passava rapidamente.
Chamei o Pistelli do lado e disse:
- Vou dar um pique
perto da picada e espremer o mais que der. Enquanto isso veja com os meninos se
consegue carona na estrada. Na época essa era também a orientação que a gente
recebia, fazer um pique no local da picada e espremer o máximo possível.
(Hoje em dia isso
não se usa mais, nem o garroteamento).
Pedi
uma Gilette para uma das meninas, algodão, álcool e um pedaço de pano limpo.
Cheguei até o Neto e expliquei o que ia fazer e por quê. Quando ele viu que eu
ia mesmo cortar a perna dele, ele deu um pulo do sofá e gritou que era tudo
brincadeira. Eles haviam feito as marcas da picada com um alfinete desinfetado
e tinham conferido tudo antes. Sabiam que não teríamos como entrar em contato
com a cidade e nem teria nenhuma condução na Fazenda para levá-lo embora. Foi
um plano de mestre e que nós caímos direitinho.
Depois
do jantar, estava o Neto deitado naquele mesmo sofá. Aos poucos as meninas
foram chegando e se colocando em volta dele.
Ele, em sua
infinita sabedoria, disse que quando muita mulher chegava perto dele, ou era
para pedir algo, ou era alguma confusão.
Era
uma confusão!
Alguém
gritou lá dos quartos:
- Segurem ele
meninas! Num instante ele estava imobilizado por várias meninas da turma,
enquanto outras traziam uma bacia com água, um sabonete e um aparelho de raspar
a perna. Num instante ele estava com suas pernas depiladas. Ele apenas falava:
- O que meu pai vai
pensar de mim quando eu chegar a casa com essas pernas peladas? Para encerrar
com chave de ouro a “vingança”, alguém jogou desodorante na perna depilada
dizendo que era para não coçar. Ele ficou desconsolado com o tanto que ardeu.
Essa
foi apenas uma das aventuras que vivemos e que deixou saudades. Sou saudosista
sim, acho que as coisas boas não podem ser esquecidas, são elas que ajudam a
enriquecer nossa história como seres humanos.
"As coisas
tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão.
Mas as coisas
lindas, muito mais que lindas essas ficarão. ”
(Carlos Drummond
de Andrade)
Texto e Foto: Silvia Ferrante